Agora que a morte levou Dulce Freitas estive lembrando fatos que marcaram nossa amizade, em um capítulo biográfico sobre a Dulce onde pontuei os prostíbulos que ela andou e administrou, coloquei por título: DULCE A MAIS AMADA E AMÁVEL MERETRIZ...
Quando li o título pra ela, veio de sua parte a sentença:
- EU ERA PUTA!
Rimos bastante diante do modo exacerbado no tratamento que ela mesmo se dava, forma cômica e realista que as vezes achava que era pra compensar as dores que a vida havia lhe deixado como marcas profundas.
Dulce, ainda jovem e o Roda Viva
Com o livro já impresso: PAULO AFONSO E A VILA POTY: A HISTÓRIA NÃO CONTADA, que narrava a história da Dulce, fui lança-lo na câmara a convite do presidente da época.
Na Câmara houve um rebuliço diante do lançamento pois estavam esperando na verdade a vinda de um dos secretários da prefeitura para uma sabatina quanto aos gastos altos da repartição. Enquanto aguardávamos, eu e meus convidados, o desfecho dos vereadores, uma discussão acirrada tomou conta da casa do povo. Os vereadores pediram uma votação e cinco deles foram contra o lançamento: Mário Galinho, Edilson do Hospital, Pedro Macário, Antônio Alexandre e Jean Hubert. A maioria votou a favor do lançamento. Dos 5 contrários ao lançamento, 4 resolveram abandonar seus postos e diante de vaias saíram de suas bancadas.
O Jean alegou que era contra o lançamento em apoio ao partido que defendia no momento, porém falou que permaneceria no local porque era meu amigo.
Alguns amigos queriam invadir o recinto, incitaram uma agressão, por outro lado minha filha mais velha veio chorando e pedindo que eu não revidasse a afronta dos vereadores contrários ao lançamento, eu prometi que não iria revidar nada. O jornalista e amigo Antônio Galdino pediu a palavra e com bastante veemência fez um discurso inflamado e duro contra a atitude dos vereadores que não respeitaram o público convidado e o escritor.
Nunca havia visto e ouvido Galdino tão alterado em um discurso. Na verdade, foi um puxão de orelha homérico.
Por fim me convidaram para ir ao púlpito e diante de uma plateia eufórica, com alguns amigos achando que eu revidaria de uma forma mais agressiva por causa do meu temperamento explosivo, eu me mantive sereno, agradeci o convite, disse que diante do momento constrangedor pra mim, minha família e meus amigos, eu não faria mais o lançamento naquele local, que deixaria o lançamento para outro momento, embora iria falar o que havia preparada para a ocasião, e diante do material que havia preparado em slides, fui mostrando imagens de personagens retratadas em meu livro e quando chegou na foto de Dulce, lembrei que ela estava presente e quando apontei pra ela, aquela senhora se levantou, fez pose, vestido florido de tecido brilhante, anéis reluzentes, queixo levemente acima dos ombros, olhar fixo nos Vereadores que ficaram para o lançamento, os presentes se puseram de pé e a aplaudiram por um longos minutos.
Finalizei meu discurso e fui recolher meus livros, abraçar os amigos e acalentar minha filha que ainda estava nervosa.
No abraço coletivo com os amigos senti falta de Dulce e a chamei, quando ela se aproximou, diante de todos, fez a fala mais justa, sábia e verdadeira, e, ao mesmo tempo engraçada e provida de razão que o momento caberia:
- PELA PRIMEIRA VEZ UMA CÂMARA DE VEREADORES APLAUDIRAM UMA PUTA E VAIARAM OS VEREADORES!
João de Sousa Lima e Dulce, na Sala do IGH, na Casa da Cultura
Risos ecoaram, eu abracei a velha meretriz, beijei sua face e saímos todos...
Dias depois o lançamento oficial da obra foi realizado no Memorial Chesf. Muitos amigos participaram, foi uma noite memorável onde pude realmente lançar o livro diante de pessoas educadas, de amigos queridos e da família amada.
Na plateia se encontrava o advogado e amigo Dr Isac Oliveira. Lateral a poltrona de Isac tinha uma vaga, uma elegante senhora pediu licença e se acomodou, diante do olhar de Isac ela declarou:
- Eu estou nesse livro, aí conta minha história!
Isac saiu procurando nas páginas pra ver se encontrava quem era aquela senhora ao seu lado.
Dulce se apresentou:
- Eu sou Dulce, a puta!
Olhos arregalados, Isac a cumprimentou.
Daí surgiu uma amizade.
... Então, essa era minha amiga Dulcinete Freitas, a nossa querida Dulce do Roda Viva, Dulce do Chimba, do Mangaratiba, da Feirinha...
Dulce a Puta, Dulce a Meretriz, a Vendedora de Sapatos, a Desbocada, Dulce a Candidata a Vereadora que diante da juventude exclamava: Votem em mim, vocês não me conhecem, mas seus pais sabem quem eu sou!
Dulce a polêmica, Dulce que em um momento difícil para quem escreve essas linhas, se colocou de pé e foi aplaudida, Dulce que teve uma vida amarga e sabia ser doce diante das vicissitudes.
Dulce minha amiga, minha saudosa amiga, Dulce eterna em meu coração....