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Paisagens Sertanejas / Nordestinas

Cânion do rio São Francisco. Há um rio que continua passando em nossas vidas

Publicada em 06/04/21 às 16:03h - 2806 visualizações

Antônio Galdino


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Cânion do rio São Francisco. Há um rio que continua passando em nossas vidas
 (Foto: Antônio Galdino e acervo do autor)


Em 1970, Paulinho da Viola lançou uma canção que ainda hoje é cantada com muito entusiasmo pelos amantes do samba, especialmente os portelenses. Ele criou essa canção justamente para homenagear a sua escola de Samba, Portela, que parecia um rio desfilando na passarela do samba, no Rio de Janeiro.

Por estas terras sertanejas também há um rio, de verdade, que tem passado por nossas vidas há mais de cinco séculos de sua existência conhecida.

E, ao passar pelas vidas de milhões de pessoas, sempre traz mudanças boas, sempre oferece a oportunidade de crescimento, desenvolvimento das comunidades às suas margens.

Em um detalhado estudo feito entre os anos de 1852 e 1856, este rio, o São Francisco descoberto em 1501, há 520 anos, conhecido pelos indígenas que viviam às suas margens como Opará, que significa rio-mar, tal a sua grandeza, esse rio de quase 3 mil quilômetros de extensão, foi percorrido, légua a légua, por estudiosos comandados por pelo alemão, nacionalizado brasileiro, Henrique Halfeld, a mando do Imperador D. Pedro II, num trabalho que durou quase cinco anos.

Heinrich Wilhelm Ferdinand Halfeld, também conhecido como Henrique Guilherme Fernando Halfeld, foi um engenheiro alemão formado na Bergakademie Clausthal. Naturalizado brasileiro, foi encarregado pelo Imperador D. Pedro II para mapear todo o rio São Francisco, de Pirapora até o Oceano Atlântico. Ele nasceu em 23 de fevereiro de 1797, em Clausthal-Zellerfeld, Alemanha e morreu em 22 de novembro de 1873, em Juiz de Fora, Minas Gerais, onde foi sepultado.

Quando estes estudiosos chegaram perto do final do rio, faltando pouco menos de 300 quilômetros para a sua foz, no trecho que os pesquisadores registraram como as léguas 325 e 326 do rio, todos ficaram assombrados com a imensidão das águas do São Francisco formando as muitas quedas da Cachoeira de Paulo Afonso e o início da formação de um grande cânion. Essa área é assim descrita no Atlas Relatório que Halfeld enviou para o Imperador D. Pedro II:

“326ª légua - No começo desta légua começa a grande Cachoeira de Paulo Affonso; a sua primeira catadupa tem 44 palmos e 6 polegadas de altura e despenha-se em uma bacia guarnecida de rochas de granito talhadas quase a prumo, e às vezes mesmo propensas para dentro do Rio; desta bacia faz o Rio uma curta volta em ângulo reto à esquerda e precipita-se entre alcantilados penhascos no fundo de um abismo de uma altura de 6 palmos e 1 polegada transformando-se em consequência desse salto, aparentemente em espuma de leite, lançando e estufando grande altura, e semelhante ao efeito da explosão de uma mina. grandes borbotões de água aos ares, que se desfazem em neblina...

“Transformadas por esta catadupa as águas em um Rio de leite, precipitam-se estas em grandes rolos e ondas e entre rochedos alcantilados de granito, batendo em ângulo reto contra a margem esquerda do Rio. Esta margem consiste em rocha nativa de granito, que tem 365 palmos de altura até a superfície da água, tendo esta ainda 120 palmos de profundidade...”

Esta foi a descrição do início do cânion do rio São Francisco nesta região de Paulo Afonso, na divisa dos Estados da Bahia e Alagoas, na Cachoeira de Paulo Afonso, feita por Henrique Halfeld.

A descrição da Cachoeira por Halfeld em seu Atlas Relatório impressionou tanto o Imperador D. Pedro II que ele decidiu conhecer estas quedas d`água, o que fêz em 20 de outubro de 1959.

Esse maravilhoso cânion do rio São Francisco, que começa nos paredões de granito da Cachoeira de Paulo Afonso, hoje sem águas, percorre 65 quilômetros até alcançar a barragem da Hidrelétrica de Xingó, inaugurada pela Chesf em 1995, quase na virada do século XX. Até o represamento do rio por essa barragem, suas águas percorriam essa região protegidas por paredões de mais de 200 metros de altura, em alguns trechos até bem mais, até se espraiar e alargar-se mais no seu caminho do Baixo São Francisco até chegar à sua foz, como mostram imagens do filme “O Baile Perfumado”, gravado na região antes da construção da barragem da Hidrelétrica de Xingó e também fotos da construção da Ponte D. Pedro II, no final dos anos de 1950.

 

Com a construção da Barragem de Xingó, o espaço do cânion foi transformado no leito dessa barragem e ali estão acumulados 3,2 bilhões de metros cúbicos de água. O ponto zero desse reservatório é abaixo da ponte D. Pedro II, no município de Paulo Afonso, na divisa dos Estados da Bahia (Paulo Afonso) e Alagoas (Delmiro Gouveia).

Mesmo com tantas águas, a imponência, a grandeza desse cânion continua chamando a atenção de milhares de pessoas que chegam para visitá-lo, principalmente na região de Canindé do São Francisco onde foi montada uma grande estrutura turística com a oferta de passeios de catamarãs e sobrevoos de helicóptero para conhecer os paredões de granito e a sua imensidão de águas. 

Tal a imponência desse cânion que, em alguns trechos, a profundidade de suas águas chega a 170 metros e há lugares em que, ainda assim, os seus paredões chegam a quase 100 metros de altura.

As águas acumuladas no cânion do rio São Francisco mantêm em funcionamento a maior usina hidrelétrica do complexo da Chesf, a Usina Hidrelétrica do Xingó, capaz de gerar mais de 3 mil megawatts de energia em suas seis máquinas de mais de 500 megawatts cada uma.

Hoje, após a construção da barragem, nesses pouco mais de 20 anos, todo esse trecho se tornou navegável. Antes, isso era impossível. Havia corredeiras respeitáveis e na região do Rio do Sal, na volta do Vai-e-Vem, era comum aparecerem corpos de gente e de animais que se afogavam no rio.

Tive oportunidade de percorrer todo esse cânion em várias oportunidades, seja em passeios de Catamarã, saindo da Usina Paulo Afonso 4 até o Povoado Rio do Sal, e até o Povoado de Xingozinho, ainda no município de Paulo Afonso ou em lanchas desde a Usina de Paulo Afonso 4 até o dique da Barragem de Xingó, de onde saem os passeios de catamarã.

Em uma dessas viagens que fiz, acompanhava o jornalista Francisco José que fazia uma matéria sobre o rio São Francisco para o Globo Repórter, da Rede Globo. Ele, experimentado jornalista que já viajou por todo o mundo e já esteve nessa região outras vezes, continuava encantado com as belezas desse rio e deste cânion. Aqui e ali, conversava com pescadores solitários e ouvia conversas sobre o rio e a região.

Aqui e ali o rio mostra paisagens estonteantes. Ao que parece, ao receber todas essas águas,   uma hora, o rio fez despertar uma grande esfinge a observar os que por ali passa... Em outros lugares, erguem-se paredões imensos de pedras bem arrumadinhas, ali dispostas, harmoniosas, pelas mãos do Criador. Parece um grande monumento ao rio que segue distribuindo riquezas por onde passa.

Há um lugar, bem no meio do rio, exatamente logo depois dos 17 quilômetros percorridos dentro do município de Paulo Afonso. É uma ilha em forma de triângulo, para marcar bem a posição de cada um que por ali navega. De um lado da ilha, é o Estado da Bahia, que vai ficando para trás. A outra face do triângulo já é o Estado de Sergipe e a outra face mostra o Estado de Alagoas.

A criatividade do povo da região dá muitos nomes a essa ilha que é a exata divisa dos três estados nordestinos – Bahia, Sergipe e Alagoas. Uns a chamam de Ilha de Ninguém. Outras a denominam de Ilha de Todo Mundo. A partir dela, o rio segue entre os Estados de Alagoas e Sergipe até a Barragem e Usina Hidrelétrica de Xingó e dali, novamente segue, já no seu trecho de Baixo São Francisco, sempre estre os Estados de Alagoas e Sergipe.

Sobre o cânion do rio São Francisco, ele já tem sido cenário para filmes, novelas da televisão, muitos documentários e programas de redes de TV regionais.

Ele já esteve em várias edições do Globo Repórter, do Programa do Faustão, em várias oportunidades quando Paulo Afonso sediava os esportes radicais e de aventuras, em provas de canoagem a nível nacional, em programas da TV Bahia, afiliada da Rede Globo em Salvador, como o programa Aprovado, de que tive a honra de também participar, assim como em várias edições do programa Na Carona, também da TV baiana.

Um dos mais belos programas sobre esse rio foi o Dendê na Mochila, de Matheus Boa Sorte, realizado para a TV Aratu, de Salvador. (Para ver episódio Nº 59 de Dendê na Mochila, sobre Paulo Afonso, acesse o vídeo, no final do texto) 

O cânion do rio São Francisco esteve sendo mostrado nos Salões de Turismo realizados em São Paulo e em muitos eventos similares realizados no Brasil e em outros países, quase sempre mostrado pelo Estado de Sergipe.

Um dos depoimentos mais emocionantes sobre o cânion do rio São Francisco em Paulo Afonso eu ouvi de uma baiana de Juazeiro chamada Ivete Sangalo quando participava, a convite da apresentadora Eliana, do SBT, de uma visita ao Gran Canyon, esculpido pelo rio Colorado, no Estado do Arizona, nos Estados Unidos. Mesmo sendo de uma beleza estonteante, a baiana Ivete Sangalo lembrou das terras de sua Bahia e declarou: “canion lindo é o do rio São Francisco, em Paulo Afonso, na Bahia.”

 

Hoje navegável em toda a sua extensão de 65 quilômetros, o cânion do rio São Francisco, em Paulo Afonso, na Bahia e até a barragem de Xingó, continua lindo e encantando a todos.

Depois que suas águas se transformam em energia para a grandeza do Nordeste e do Brasil, o rio retoma o seu leito, ainda por uns trechos de cânion bem mais abertos até ir se espalhando até chegar à sua foz.

Antes, logo após a barragem de Xingó, banha a centenária Piranhas, em Alagoas e Canindé do São Francisco, em Sergipe e continua a sua caminhada assim, agradando e fazendo o bem a alagoanos e sergipanos, até passar pela centenária Penedo e chegar a Brejo Grande em Sergipe e a Piassabuçu, em Alagoas e aí recebe o abraço fatal do Oceano Atlântico.

Esse último trecho do rio São Francisco foi, no sentido do mar para Piranhas/AL, a Rota que o Imperador D. Pedro II fez para conhecer a Cachoeira de Paulo Afonso, onde chegou em 20 de outubro de 1859, empolgado, ansioso para conhecer as belezas descritas por Henrique Halfeld, anos antes. 

Em outubro de 2009, a Prefeitura de Piranhas e o Governo de Alagoas refizeram esta Rota do Imperador, realizada em três dias. Eu estava no Departamento de Turismo de Paulo Afonso e, a convite da Secretária de Turismo da Prefeitura de Delmiro Gouveia, Wilma Rogers, fizemos essa rota, com pessoas da equipe do DEMTUR, além do fotógrafo João Tavares e o cinegrafista Ricardo Costa. A história dessa viagem e suas fotos serão mostradas em um próximo artigo deste canal Paisagens Sertanejas neste site.




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6 comentários


Genilson

07/04/2021 - 11:31:31

Somente que tem capacidade de dedicar a vida pesquisando um patrimônio da magnitude do Rio São Francisco, conseguirá juntar tantas informações e conhecimentos.Muito obrigado Professor Galdino!!!


Valdelia Maria de Carvalho Branco

07/04/2021 - 11:11:50

Linda matéria, parabéns!


Carminha

07/04/2021 - 10:33:36

Amei a Reportagem!!Show Galdino, parabéns!Paulo Afonso é muito especial e merece ser visitado por seu encanto e beleza natural! Amo esse pedaço de Brasil onde vivi boa parte da minha adolescência.Voltarei em breve, que DEUS me permita 🙏


F. Nery Jr.

07/04/2021 - 09:18:30

Show de imagens. Em outros países, o turismo teria se desenvolvido na região. Na região de Piranhas, Xingó, eles se esforçam e conseguem alguma coisa.


Marcos Antônio Lima

06/04/2021 - 22:20:40

Magnífica matéria, digna de um verdadeiro amante e defensor do velho Chico. Parabéns, Prof. Antônio Galdino.


Rose Mary Machado Dias

06/04/2021 - 21:49:55

Magnífica reportagem! Parabéns Professor Galdino! Informativa, didática,histórica, belíssimas fotos, retrata bem as belezas naturais proporcionadas pelo rio carinhosamente chamado de Velho Chico que tanto orgulha os corações pauloafonsinos!


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