Compreender o que está embutido nas palavras é essencial à boa e necessária comunicação. Em geral as palavras dizem mais, menos ou o contrário do que queremos que elas informem. Pôr-se à coberta de deslizes ao usá-las é imprescindível a quem fala ou escreve.
As palavras são autênticas. Não têm compromisso com verbalizações personalísticas. São verdadeiras, afirmando ou negando; são irônicas frente ao mau uso que delas se faz. O uso de palavras fora da realidade resulta em trapaça intelectual.
Escorregam, por vezes, oradores, nos mais diversos campos da elocução, seja por falta de conhecimento do sentido preciso dos termos que usam, seja, ipso facto, por ausência sistemática de boas leituras. Ler o que merece ser lido. Ler devagar, como recomenda Émile Faguet. Ler persistentemente, como nos recomenda o Apóstolo Paulo.
Nota-se escancarada ausência desses cuidados no parlamento, nos tribunais e no jornalismo falado ou escrito. Há abundante linguajar coloquial nas rodinhas de amigos, talvez com pouca ou nenhuma semelhança com os “Amigos do Jardim”, de Epicuro, e, que lamentável!, nos púlpitos. Nota-se muito descuido no falar e na escrita. Gente de reconhecido destaque nos círculos da cultura parece não se aperceber, além do mais, do caráter cerimonial das palavras. Verbo mal conjugado, ressentido, não perdoa.
Há riscos de deslize? Sim. E são frequentes. O complexo de saber sem o devido respaldo no estudo é uma ilusão gigante e um atestado de insuficiência intelectual. Já se disse: de “preguiça mental”. A alguns, desaponta; a outros incentiva e inspira: o final de uma etapa acadêmica é o bom começo da caminhada, para quem tem ideal elevado.
Há riscos de deslize? Sim, e estimo dois exemplos: O uso da palavra “eivado” ou “eivada” como se fora “pleno” ou “repleno”, nos dois gêneros e o famigerado “e” prolongado, como uma “fermata”, um “pleonasmo”. As palavras bonitas ou de uso raro fascinam, massageiam os arrebatamentos dionisíacos do orador, conquanto não lhe sejam boa distinção. Fá-lo pensar-se um Cícero, um Demóstenes, um Rui Barbosa... Se se pensasse ou se curasse desses rótulos artificiais, bem melhor seria.
Pleno e repleno falam-nos de completude. Eivado tem sentido pejorativo, podendo significar, entre outras coisas, “apodrecido”. Pode-se usar como sinônimo de “cheio”, pois que dá a entender isso, com o equívoco em que se pode incorrer. Um Quantum satis “Quanto basta”, como “o bastante, o suficiente, o necessário, o preciso, o indispensável, satisfação, completamento”, em uso mal sabido, sob forte atração de curiosidade e ”novidadismo”. Dar-se-ia o caso de um marido apaixonado declarar-se “eivado” de amor por sua esposa. E o uso desatento desse termo num púlpito de igreja? Seria muito destoante dizer que Deus nos quer “eivados” de bênçãos. Um bom Dicionário Analógico pode corrigir a expressão e salvar o orador.
Não fica por aí o uso de expressões novas com sentido dúbio ou duvidoso, vago e indefinível. Tal prática empobrece a expressão e, até, desvia o propósito do que se quer dizer. Não me considero em nível de conselheiro, nesta como em quaisquer outras áreas. Mas não é necessário ser especialista para perceber quanto se atropela a língua de Camões.
O uso diletante de palavras pode até embelezar, mas não aprimora o discurso. Seu uso inconsequente deforma a fala. Causa ruídos à comunicação. Coisa estranha a Hermes.
Recife, 15.12.2022
Válter Sales