Mas, coração vê? Paulo nos diz que o coração tem olhos – “...iluminados os olhos do vosso coração, para saberdes qual é a esperança do seu chamamento, qual a riqueza da glória da sua herança nos santos”, escreveu ele à Igreja em Éfeso (1.18). Não tem o coração apenas a função orgânica de bombear sangue, ou a convencional de sentir, mas a prerrogativa espiritual de ver. Ver para entender, “para saber qual é a esperança do seu chamamento”.

Coração enxerga, e enxerga muito, enxerga melhor, pois que não depende, preliminarmente, de elementos exteriores, ordinários, mas de valores da fé, do espírito – “a riqueza da glória da sua herança nos santos”. Assim, o coração, nessa visão espiritual, vê mais que os nossos olhos. Estes sofrem o influxo de tudo que se passa diante deles, e podem tornar-se maus e trazer trevas a todo o corpo (Mt 6.23). E quão densas serão essas trevas! “Repara, pois, que a luz que há em ti não sejam trevas”, adverte-nos Jesus Cristo, em Lucas (11.35).

Mas, imagino certa estranheza em se falar de olhos do coração. Não é estranho, contudo, ao Apóstolo Paulo. Não nos diz ele que é com o coração que se crê? – “Porque com o coração se crê para a justiça e com a boca se confessa a respeito da salvação” (Rm 10.10). Crer é enxergar mais do que se enxerga com a visão dos olhos físicos. É possível ver e não crer, mas é de todo improvável crer e não ver, sobretudo com os olhos de um coração iluminado pela Palavra de Deus. Na analogia feita por Jesus Cristo, é mais feliz aquele que não viu mas creu – “Bem-aventurados os que não viram e creram” (Jo 20.29).

Na relação do homem com Deus, não é uma visão histórico-funcional que nos leva a crer no Filho de Deus. É, sim, uma visão clara de Quem Ele é que nos leva a um compromisso de vida com Ele, a uma entrega plena à sua vontade. Nada melhor para traduzir a genuína fé, que é entrega. O mesmo Paulo que nos dá este ensino, rendeu-se a essa experiência. À Igreja da Galácia ele escreveu: “Já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim; e esse viver que, agora, tenho na carne, vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e a si mesmo se entregou por mim” (2.20). É a visão do coração que a tanto nos conduz.

É possível, ainda, intercorrer: que processo inusitado é esse! Nada estranho, entretanto, à economia divina – a Palavra penetra o coração e o coração vê o que ela revela. Que fazer, então? Crer. Crer com os olhos do coração. Afinal, coração tem olhos. Olhos iluminados por Deus. Estes veem o que deve ser visto, sem os riscos da miopia incrédula, da visão distorcida, do julgamento apressado, das paixões humanas desabaladas, do ciúme descabido, do afeto comedido, da inveja impiedosa, da altivez orgulhosa no olhar, no falar, nas atitudes; da malquerença dissimulada – imperfeição dos olhos e do coração –, da incapacidade de ver o outro como Deus o vê. Somente uma visão iluminada pelo  Espírito de Deus nos permite ver o que é verdadeiro. O contrário disso é ver sem ver de fato. Visão falsa.

Crer para ver, a fim de que vejamos melhor, num plano superior. Para além de uma visão turva, com a mente encharcada pela dúvida. Crer, apenas crer, mesmo não vendo – “... crê somente”, é a exortação de Jesus, em Marcos (5.36). Não é possível conceber Deus, e nele crer, até que o vejamos com os olhos do coração. Até que o amemos.

Do Recife, Válter Sales