Não, não estou falando desse ”órgão muscular, alongado, móvel, situado no assoalho da cavidade bucal”, mesmo considerando sua utilidade para identificar sabores e auxiliar na mastigação. Acomoda-se entre os dentes e sob o palato, também conhecido como “céu da boca”, por vezes, céu; por vezes, não. Mesmo assim, tão bem guardado, nem por isto deixa de ser inquieto...
Refiro-me à Língua – idioma oficial falado e escrito, símbolo pátrio de um povo, por vezes, culto; por vezes, não.
“Última Flor do Lácio” – há uma homenagem a Luís Vaz de Camões, celebrado entre os maiores nomes da literatura mundial, pelo Órgão Legislativo do Estado Português, em 10 de Junho de 1981 (10 de Junho, data comemorativa da Língua Portuguesa).
A metáfora “Última flor do Lácio, inculta e bela” foi usada por Camões para destacá-la como a “última língua proveniente do latim vulgar, língua falada pelos soldados romanos, na região do Lácio”, uma região italiana antiga. O termo “inculta” refere o Latim Vulgar, diferente do Latim Clássico falado pelas classes nobres, pelos gestores religiosos e pelos altos comandos militares. Para o nosso grande parnasiano Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac (1865-1918), a Língua Portuguesa continuava “bela”, não importando sua origem popular.
Vulgar, pois que língua dos soldados, dos mercadores e negociantes, dos humildes trabalhadores das terras e dos escravos. Seriam estes os “particulares”, na comparação platônica com os Universais?
Nas marchas ambiciosas e colonizadoras dos exércitos romanos pela Itália, Sardenha, Córsega, Espanha e Portugal, não se encontravam documentos escritos em Latim Clássico. Houve interação com linguagens diversas, dialetos regionais. Consequente dessa interação, o chamado “Latim impuro” e vulgar deu origem à “belíssima, sonora, suave e muito rica Língua Portuguesa”.
Não foi uma demanda rápida. Já no século III a.C. ela era falada. Ao curso do tempo,” solidificou-se, com gramática e fonética próprias”. De Portugal migrou para diversos países africanos e para o Brasil, singrando mares extensos e incertos, “pelas caravelas de novos conquistadores”.
Soldados, invasores, conquistadores e jesuítas “´a plantaram como a nossa maravilhosa língua, que ainda resiste à lamentável destruição daquilo que alguns ousam chamar de ´linguagem de informática`”. Não há muito, alguns incautos intentaram adulterá-la com inserções ligadas a gênero.
O nosso Bilac, em “Língua Portuguesa”, diz que
“... És, a um tempo, esplendor e sepultura;
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela...”
Conquanto “rude e doloroso idioma”, é a nossa língua – objeto direto do nosso amor.
Do Recife, Válter Sales