Ler devagar, como quem saboreia as palavras... Ler sem pressa, pelo prazer de ler e com um objetivo bem definido: compreender, penetrar no pensamento do autor, no que ele pretendeu comunicar ou compartilhar no momento em que escreveu; o que viu, o que ele mesmo entendeu do que viu. O recomendável é ler “com um espírito bem atento e bem desconfiado da primeira impressão” (Faguet).
Ler é dialogar com os autores, como se com eles o leitor estivesse a coparticipar do processo da escrita, na leitura. Ler face a face com o autor. Será essa uma leitura proveitosa, em que o leitor se torna parte da narrativa. Ler é conviver.
O bom leitor é também um questionador. A crítica não é estranha a uma leitura inteligente. O leitor não apenas introjeta o que lê, mas questiona, não movido por preconceitos, mas por ser copartícipe. Mestres nesta arte recomendam que o leitor tenha à mão lápis e papel para anotar o que mais lhe chamou a atenção. Uma possível dialética com o autor ocorre a partir dessas anotações. O que não se recomenda é uma leitura acrítica, que não faculte ao leitor apropriar-se do seu conteúdo.
Por aí pode-se concluir que a boa leitura não é uma corrida de velocidade, com superação de todos os obstáculos. Estes fazem parte do processo e nessa raia estão para que sejam superados, como o contexto, o cenário, a linguagem, os personagens, a experiência particular do autor etc.
Não se recomenda uma leitura ansiosa, ofegante, compulsiva, no afã de devorar tantas páginas, tantos capítulos ou tantos livros, como em maratonas... Não. Essa não é uma boa prática. Dietrich Bonhoeffer, líder cristão alemão, antes de ser assassinado pelos nazistas, em 1945, produziu um documento intitulado Práticas Devocionais. Sobre a leitura da Bíblia Sagrada, recomendou que se lessem pequenos trechos, debruçando-se sobre eles vezes tantas, até que o leitor se apropriasse do real conteúdo da porção lida. Não avançar para a página seguinte antes de conhecer o conteúdo da anterior.
Uma leitura feita nessa perspectiva, e com esse propósito, não será apenas proveitosa; será também crítica da invenção do autor, como ele conduz suas ideias ou narração, o estilo, o plano, a disposição, língua, o gosto.
Na pós-graduação em Literatura fui convidado pelo professor a discorrer sobre Necessidade, Verossimilhança e Catarse, eu, recém saído de Filosofia. São termos oriundos da Poética Clássica de Aristóteles, Horário e Longino. Também guardam relação com a psicoterapia e com a filosofia e, sem muito forçar, com a teologia.
Ler, para quem conhece sua importância, chega a ser uma necessidade inerente a grandes ideais; vital, mesmo. É apropriar-se (a depender do que se escreveu) da verdade sobre a existência humana e tudo que a cerca e motiva – somos seres históricos. Já o processo catártico passa pela necessidade de extravasamento, também solidário, do que se passa em nossa interioridade. Meu professor de Ética dizia: “Saber escrever e não fazê-lo é imoral”. A frase é sinalética de outras demandas da vida.
Quero, ao terminar esta matéria, ainda recorrer a Émile Faguet, em A Arte de Ler. “´Ler vagarosamente, eis o primeiro princípio aplicável a qualquer leitura. É a arte de ler como em essência. (...) Fora de ´ler devagar` não há uma arte de ler; há artes de ler e muito diversas segundo as diversas obras`”.
Flaubert dizia: “Ah! Aqueles homens do século XVII! Como eles sabiam latim! Como eles liam devagar!”
Reservo-me para as próximas provocações.
Do Recife, Válter Sales
