A ARTE DE LER – 5
Não é fácil adquirir o hábito da leitura. Mas não desanime, caro leitor. Talvez eu o tenha desapontado; não sem propósito: “As coisas tangíveis tornam-se insensíveis à palma da mão. Mas coisas findas, muito mais que lindas, essas ficarão” (Memória, de Carlos Drummond de Andrade). Há que se desenvolver uma saudável relação com o tempo, que pulsa em nós, tornando válidos todos os fatos. O que nos custa pouco será sempre reconhecido como de pequena monta. Quanto ao hábito de ler, difícil será deixá-lo, pois não há com que substituí-lo no mesmo grau de importância.
Ler é uma aventura que não tem fim, não sacia nem satura qualquer nível de necessidade. Para o bibliófilo José Mindlin, “ler é uma paixão para a qual não há cura”. Verdade seja, não há cura para a própria cura. Alguns inoculam esse vírus no verdor da vida. Outros, um pouco mais tarde... Quando ocorrer, será templo pleno a que não se deve deixar de anuir.
Mas, ler, ainda quando compulsivamente, será uma como prisão? Não. Ler com inteligência e proveito é um salto para a liberdade do espírito. É inteiramente fascinante conviver com os clássicos. Ainda, a mente arguta pode tornar clássicos os que clássicos não são. Torna-os para si. Tem-nos como luzes para o intelecto. Um bom leitor, por sua capacidade de julgar e fazer inferências, faz-se também um eleitor.
É fácil? Não direi que seja. Afirmo que é realizador. É uma caminhada para a vida. Uma vez despertada, nossa mente não mais se acomodará. Jamais diria que seja um vício. Vício é escravizante. Ao contrário disto, a prática da leitura nos liberta dos vícios, sejam eles tidos como sociais ou os que suscitem dúvida e sejam, assim, de pouca aceitação. Há resistências a vencer? Sim. Afirmo, contudo, que vale a pena travar essa batalha. Já o seu começo poderá ser um prenúncio de êxito.
Alguns autores são um tanto enigmáticos. Apenas três exemplos: o nosso Machado de Assis não é fácil. Fiódor Dostoiévski também não é compreensível à primeira leitura. Seu conterrâneo Liev Tolstói, igualmente não. São clássicos. Sua linguagem é bastante elaborada. Sua obra é contextualizada. De certa forma, uma leitura que se pretenda proveitosa requer um pouco de percepção hermenêutica. Algo novo? Talvez. Uma hermenêutica da leitura. Vá lá.
Vencidos os obstáculos, já os primeiros, o processo se tornará mais palatável. A própria leitura se encarregará de mostrar, página por página, quanto é válido persistir. O gosto crítico se desenvolve na experiência.
Portanto, leitor, não ceda aos primeiros enfados. Vá sem pressa, parágrafo por parágrafo, frase por frase. Permita que sua inteligência se empolgue com o milagre das letras; como, reunindo-se, elas formam as ideias, dizem as coisas no que são e como são. É uma descoberta fantástica! As letras são a via de expressão vívida do gênio humano. Descortinam um mundo verdadeiramente encantador. E tudo que se vai desvendando existe para nós, humanos, que não devemos passar pela vida sem conhecer suas excelências, ainda que em parte.
Tome um livro. Veja-lhe todos os ângulos. Ponha sobre ele os olhos da paixão. Abra-o, passeie por suas páginas, sinta o cheiro do papel impresso. Se possível, ame-o! Desenvolva com ele uma como relação mística... Depois, frase após frase, faça uma fascinante viagem com o seu autor.
Do Recife, Válter Sales
Arte de abrange todos conhecimento, (saudades) meu Pastor e professor