O Menino e a Manjedoura (II)
Válter Sales
Recife, 24.12.2024
“Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu; o governo está sobre os seus ombros; e o seu nome será: Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz...” (Is 9.6).
Já empolga a vista e o intelecto, ler e compreender a beleza literária do texto, seu sentido e alcance. É inquestionável que toda a cristologia de João guarde semelhança e dependência com e da eloquência do profeta messiânico. Não foi em vão que o Eterno lhe purificou os lábios!
Isaías viveu e profetizou 700 anos antes do advento do Messias. Há um jogo de conjugações verbais que enfocam o passado, o presente e o futuro: Nasceu, Deu, Está e Será. Como se não bastasse, expressões que, juntas, traduzem o caráter e a personalidade do Menino.
Todas essas marcas ou características enfeixam-se na Pessoa única de Jesus Cristo. O homem e o ungido de Deus estão presentes.
“Um menino nos nasceu...”–A linguagem funciona para nós; assinala sua estreia na vida humana. Para a teologia de Isaías – “Protoevangelho” (Primeiro Evangelho) – configuram-se plenamente a deidade e a eternidade do Messias. Em João, a cristologia está definida: Ele “era” no “princípio eterno”, que não tem a ver com a cronologia que nós conhecemos; Ele “estava” face a face com Deus, como quem “saiu do Pai” sem se desligar de sua face; Ele “era” Deus (Jo 1.1, 14; 10.30).
A mesma linguagem que é usada no verso 14, reaparece em 1Jo 1.1-3, com mais evidência de sua humanidade conosco – “vimos, ouvimos, contemplamos e apalpamos”, num passado-presente-contínuo de relacionamento, que Mateus e Paulo traduzem muito bem (Mt 1.23; Fp 2.5-11; Cl 1.15).
“... um filho se nos deu...” –O nascimento do Menino é situado no tempo. Para o nosso entendimento, aconteceu. Isaías viveu sete séculos antes. Fala do passado como algo que aconteceria. Nossa mente voa entre passado e futuro, mas na visão que o Eterno lhe deu é tudo um presente eterno. Transcende-nos.
“... o governo está sobre os seus ombros...” – O evangelista Mateus impressionou-se mais com o título messiânico “Rei”, com toda a autoridade (28.18). O nascimento do Menino Jesus perturbou o governo secular de Herodes (2.2-15). Hoje, por fidelidade à gramática, diríamos: “o governo está sob os seus ombros”. O entendimento último é de que Ele carregava em Si todo o poder, desde as alturas, desde a eternidade.
“... e o seu nome será...” – Nota-se a maestria (não sem precisão teológica) do grande escritor-profeta. O verbo pode vir no passado, no presente ou no futuro, nada se altera da realidade presentificada, atualizada, do Menino Jesus. Creio que se pode asseverar: A eternidade cobre toda a realidade cósmica e existencial humana, em todas as gerações – “Cristo é tudo em todos” (Cl 3.11c).
As caracterizações falam-nos de sua natureza e personalidade divinas. Poder-se-á associá-las com atributos. São, igualmente, uma reafirmação do que as conjugações verbais acentuam do Menino Jesus: Ação, Estado ou Fenômeno.
“Maravilhoso Conselheiro”. Não se trata, aqui, de termos distintos, mas de “adjetivação”. Jesus não é tão somente um conselheiro. É um “Maravilhoso Conselheiro”. É alguém que nos traz o conselho do céu, do Eterno, o mesmo que o Apóstolo Paulo, em Mileto, anunciou aos presbíteros da igreja de Éfeso (At 20.27) – “todo o conselho”, ou “desígnio”, questão também tratada em Ef 3.9-13. Tudo de que efetivamente necessitamos para gerir nossa vida encontra-se no Conselho de Deus, exarado na Sagrada Escritura (Jo 5.39; 2Tm 3.16; 2Pe 1.20, 21; 1Pe 2.1-3).
“Deus Forte”. A afirmação da Deidade de Jesus está na Palavra de Deus. Não necessitamos de Concílios da Igreja de Roma, como Niceia (325) e Calcedônia (451) para consumar o assunto. Já muito antes, no começo da Escritura e pela fé na eternidade de que trata, a questão para nós estava definida. É uma questão de fé, não de lógica humana. Podemos não entender, mas é fato, Deus está no comando da História. Os desmandos e os desvãos podem acontecer, e sobre eles os homens cirandam... Jamais esqueçamos de que Jesus mesmo o afirma, João e Paulo reafirmam e Tito fecha a questão (Tt 2.13). É só aguardar a “bendita esperança...” (cf. Fp 2.9). Deus triunfará ao final de todos os acontecimentos!
“Pai da Eternidade”. Ele mesmo gerou ou criou a eternidade? O alcance desta expressão está a luzes e luzes do nosso entendimento. Os arcanos da eternidade pertencem aos domínios do Eterno (Dt 29.29). Certamente, tudo se consigna na Pessoa Eterna. Tratar Deus como o Eterno, a meu juízo, será a melhor forma de defini-lo. Tudo o mais será minimização do indizível. A verdade última para nós hoje é a que Moisés escreveu (Sl 90.2b). Como nos situamos nessa condição eterna, tudo se resume no que o Cristo faz por nós, ao introduzir-nos em sua realidade e natureza. A vida eterna que recebemos é Ele mesmo.
“Príncipe da Paz”. Considero que temos aí, na escrita de Isaías, os primeiros títulos messiânicos atribuídos a Jesus. Os demais profetas o seguiram. Depois, vieram os apóstolos com suas preferências ou seu entendimento e propósito. O que Mateus, Marcos, Lucas e João escreveram completa para nós a identidade de Jesus e seus feitos, o necessário para que creiamos e tenhamos vida em seu nome (Jo 20.30, 31; 21.25).
Sobre a paz que Jesus nos propicia, tratarei no próximo artigo.
Recife, 24.12.2024
Válter Sales