O Menino e a Manjedoura
Válter Sales
Recife, 23.12.2024
O nascimento de Jesus Cristo é uma realidade histórica que transcende os relatos de sua ocorrência. Mesmo na Sagrada Escritura, bem como em crônicas e documentos outros; e, bem mais, na mesmice da linguagem dos púlpitos em que dele se fala, como cumprimento de calendários, dentro da agenda das religiões.
A luz fulgurante que as telas projetam na manjedoura é ínfima em relação à “Luz do mundo” – o Menino que lá está. Também é insignificante o verbo com que a criança é descrita, numa pobreza vernacular assustadora e incapaz de referi-lo.
A manjedoura e, mais ainda, o menino da manjedoura, não se circunscrevem a momentos estanques de nossas costumeiras celebrações. O Natal, mais que um dia, é uma experiência. Está presente no todo e em toda a vida. Resulta daí que a manjedoura, na sua simplicidade e pobreza, jamais será desprezível.
Se se fala do Cristo, fala-se de Eternidade, como nos escritos de João 1.3 e Ap 1.8; de Paulo (Cl 1.17) e do autor aos Hebreus (1.1-4). João Batista o apontou como o “Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (Jo 1.29, 36). É o “cordeiro imolado antes da fundação do mundo” (1Pe 1.20).
A História, portanto, traduzida em momentos históricos, não nos diz tudo. Há um sentido e uma mensagem que transcendem esses relatos situacionistas e minimizantes. O Cristo é maior que o que Dele podemos expressar, por muito que o conheçamos e nos esforcemos.
Para compreender sua trajetória neste mundo, podemos recorrer à sucessão de fatos no contexto geral das Sagradas Escrituras. Isto nos permitirá fazer frente à demanda que abastece o mercantilismo e, quiçá, encanta os celebrantes nas igrejas.
O que, afinal, é o Natal de Jesus Cristo?
Natal é Promessa. Logo após a tragédia da queda humana pelo pecado da desobediência, Deus se manifestou, na promessa de Gn 3.15 – o descendente de mulher esmagaria a cabeça da serpente. Digo “manifestação” porque se trata de um relato à humanidade do que procedia dos arcanos da eternidade. Não é uma solução de última hora.
Natal é Profecia. A palavra agora está com Isaías, o grande profeta messiânico (9.6). Percebe-se neste verso que, além das características essenciais do Messias, há um jogo com expressões verbais, de que este autor se ocupará em próximo artigo. Em síntese, o que era desde o princípio é o que é e que há de ser.
Natal é Anúncio. Agora, a voz que ressoa é de anjos, desde os céus, anunciando a vinda do Messias prometido (Mt 1.18-25); anúncio a despertar José de sua sonolência e do seu desapontamento... Os céus referendam a palavra da promessa e da profecia.
Natal é Nascimento. Agora é um dos discípulos do próprio Jesus, escritor meticuloso, usado pelo Mestre para anunciá-lo ao mundo gentílico (Lc 2.1-20). Note-se que são milícias celestiais que celebram o nascimento do Messias, e quebram o silêncio monótono das vigílias dos pastores em Belém – “... louvando a Deus e dizendo: Glória a Deus nas maiores alturas, e paz na terra entre os homens a quem ele quer bem” (13, 14).
O nascimento do Messias, para nós, presos que somos a medidas do tempo, é providência adotada por Deus e consumada na voz dos anjos. Começa no céu e termina com vozes ecoando desde os céus.
Reafirmo: A manjedoura em nada é desprezível! Fala-nos de um começo simples, de que nos devemos levantar, e tem sua culminância na glorificação do Filho de Deus.
Nenhuma celebração aferirá, de pleno sentido, o Advento do Messias, sem que tenhamos suficiente consciência desta história e de sua significação.
Nenhum Natal fará sentido para a Humanidade sem que seja celebrado tendo-se em vista e preeminência e a eminência do Menino da Manjedoura.
Recife, 23.12.2024
Válter Sales