Há 103 anos, em 10 de outubro de 1917, no silêncio do começo da noite, na Vila da Pedra, ouviram-se os estampidos de três tiros.
Eles vieram do escuro, que escondia a covardia de homens a serviço de quem não gostava de Delmiro Gouveia que, como fazia todas as noites, depois de um certamente muito agitado dia de trabalho na fábrica da Pedra e o funcionamento da Usina Angiquinho, ele tinha o hábito de sentar em sua cadeira na varanda da casa e ler os jornais do dia que chegavam da capital do Estado de Alagoas e do vizinho Estado de Pernambuco, onde também fez história.
Mais que calar o homem, cearense, sertanejo de Ipu, determinado a mudar a história desse pedaço de sertão alagoano, os tiros que quebraram o silêncio da noite, impediram a caminhada do desenvolvimento, por um bom tempo, neste pedaço de Nordeste esquecido pelos governantes.
A sua biografia, escrita por muitos estudiosos de sua passagem por estas terras, mostra o quanto de bom se fez e o que ficou emperrado sem a presença de Delmiro Gouveia.
Foi dele a ousadia de enfrentar a força das águas, tão muitas, tão belas da Cachoeira de Paulo Afonso e descobrir que, além da sua beleza encantadora, dali poderia sair um grande tesouro, a energia hidrelétrica, capaz de mudar a história do Nordeste.
Da ideia à luta e a determinação constante, enfrentando a resistência de políticos de visão míope, em 1913, ele provou que a sua ideia, que soou como maluca e interesseira, cheia de maracutaias para uns, era sólida, real e levou essa energia gerada da força das águas da Cachoeira de Paulo Afonso para mover as máquinas da sua fábrica de linhas de costura e o impacto foi tanto que o seu produto chegou a outros países da América Latina e assombrou os concorrentes ingleses.
Em apenas quatro anos de atividade intensa Delmiro Gouveia mudou radicalmente a história da vida desse pedaço esquecido do Nordeste brasileiro. Abriu centenas de quilômetros de estradas e nelas colocou seus veículos vindos da Europa. Estabeleceu parcerias até então inimagináveis com grandes empresários. Deu emprego a centenas de sertanejos e, mais que isso, organizou a sua convivência em uma moderna Vila Operária, novidade por estas terras.
Ele viu que as crianças e os adultos precisavam ter acesso ao lazer, ao divertimento sadio, à educação e implantou escolas. Para as crianças e para os mais velhos e levou para aquele fim de mundo a magia do cinema que deixava todo mundo doido de alegria.
E nas casas da Vila Operária, a energia que iluminava a tela do cinema e fazia funcionar as máquinas também iluminava as casas, as ruas, a vida das pessoas que se davam ao luxo de ter também água encanada que chegava direto do rio São Francisco, da Cachoeira de Paulo Afonso, lá longe, a quatro léguas, 24 quilômetros de suas moradias.
Que orgulho o Coronel Delmiro Gouveia fez nascer em cada sertanejo da Vila da Pedra!!!...
No comecinho da noite do dia 10 de Outubro de 1917, há 103 anos, três tiros vindos da escuridão deram fim aos muitos sonhos de Delmiro Gouveia por aqueles tempos...
E, nesse dia que deveria não ter existido na história e que é lembrado como um homenagem ao homem de visão bem além do seu tempo, chega à memória a fábula, a história do pequeno, minúsculo vagalume que, com sua luz natural, incomodava as cobras que não conseguiam brilhar com luz própria e que tentavam, a todo custo apagá-la.
Certamente a luz de Delmiro Gouveia estava incomodando as cobras da redondeza e até de bem mais longe, no pensamento doentio dos que não conseguem reconhecer o valor dos outros, o melhor que estas cobras podiam fazer era tirá-lo do seu caminho, do seu espaço... E foi o que fizeram naquela noite, o que levou a muitas noites de pranto e de dor das centenas, milhares de pessoas que começavam a descobrir uma outra forma de viver, em apenas quatro anos de mudanças...
Em apenas quatro anos, os sonhos de um homem, sua visão, bem além do seu tempo, fez grande história.
Enganaram-se as cobras que pensavam apagar a sua luz, matando-o, covardemente, na escuridão da noite de 10 de outubro de 1917, na Vila da Pedra.
A sua fábrica de linhas que assombrou os concorrentes foi destruída em boa parte e ressurgiu até que os desencontros da economia fecharam, de novo, suas portas.
A Usina Angiquinho funcionou normalmente até o ano de 1960, quase meio século depois de construída. A Vila da Pedra cresceu, agigantou-se e transformou-se numa bela e acolhedora cidade alagoana, em um município que reúne mais de 52 mil moradores que têm se espelhado na luta, na garra, na determinação de Delmiro Gouveia – que dá nome à cidade – para continuar mostrando ao mundo a força do seu povo.
A ideia de Delmiro Gouveia em levar a energia elétrica extraída das águas poderosas do Velho Chico, o rio São Francisco, na Cachoeira de Paulo Afonso foi absorvida em toda a sua intensidade por outro sertanejo, pernambucano da cidade de Altinho, um engenheiro agrônomo chamado Apolônio Jorge de Farias Sales que, ao se tornar Ministro da Agricultura do governo do presidente Getúlio Vargas, levou ao presidente a ideia de Delmiro Gouveia, bem ampliada para que a energia colhida das águas iluminasse, acordasse, desse vida ao adormecido Nordeste.
E ele criou a Chesf que, 35 anos depois que Delmiro Gouveia construiu Angiquinho e 31 anos depois que os tiros na escuridão da noite tiraram a vida deste sertanejo cearense de Ipu, começava a mostrar ao mundo que Delmiro Gouveia estava certo nos seus propósitos.
E logo, poucos anos depois a energia da Chesf chegava a Salvador, na Bahia e ao Recife, em Pernambuco, onde o governador nos tempos de Delmiro esnobou a sua ideia genial e preferiu que os moradores do seu Estado ficassem vivendo à luz dos geradores que apagavam cedo da noite ou dos lampiões de gás, românticos, mas sem oferecer qualidade de vida à população.
Hoje, nos primeiros 20 anos do século 21, vê-se que a com a energia hidrelétrica das usinas da Chesf, extraídas das águas do rio São Francisco, projeto inspirando na ideia genial de Delmiro Gouveia, mudou radicalmente a história da região Nordeste que se escreve em dois grandes capítulos: o Nordeste A/C (Antes da Chesf) e o Nordeste D/C (Depois da Chesf).
E, se não fosse a insensibilidade de governantes da época, isso já teria acontecido ainda no início do século passado, pela iniciativa de Delmiro Augusto da Cruz Gouveia.
Hoje, é de justiça que todos lamentem o que se fez há mais de cem anos mas é também o momento de se erguer a cabeça e ver que, ao contrário do que pensaram as cobras daquele tempo, o vagalume Delmiro Gouveia fez o seu brilho se expandir por toda parte e em cada luz que se acende nos postes das ruas, nas casas, e em cada equipamento que se liga, nas casas, nas universidades, nas indústrias ali está sendo acesa a luz que Delmiro Gouveia encontrou nas águas da Cachoeira há mais de cem anos atrás.
Os tiros de 10 de Outubro de 1917 não conseguiram apagar o brilho, a luz de Delmiro Gouveia.
Historia contada com romantismo sem igual, só pode vir da "pena" de um esmero escritor que ama o nosso sertão,tão sofrido e tão rico.
Morei em Paulo Afonso entre os anos de 1972 e 1977. Período de grandes obras na área, construção das Usinas hidrelétricas de : segunda etapa de PA-III, Moxotó, PA-IV e Itaparica. Nessa época conheci o Antônio Galdino e acompanhei seu esforço e dedicação para chegar hoje nesse grande Jornal "Folha Sertaneja".Parabéns aos dois, à Folha Sertaneja e ao seu fundador Antônio Galdino pela brilhante reportagens sobre o assunto da reportagem que trata de uma parte da história de vida do extraordinário Delmiro Gouveia.
Textos com essa qualidade,dignificam o jornalista e o jornalismo. Triste de quase todos, se eles perdecem a capacidade de informar, e nos tornar cidadãos a serviço do outro.
Excelente matéria. Parabéns, ao Jornal Folha Sertaneja por manter acessa a lanterna da história. Parabéns!
Excelente matéria, parabéns.