Em 13 de abril de 1970, o comandante Jim Lovell, da missão Apolo 13, avisou à base: “Houston, temos um problema”. Uma explosão num tanque de oxigênio ocorrera no modulo de serviço, onde ficam as células de combustível e os suprimentos de viagem. A missão foi abortada. Orientando-se pelas estrelas, alavancados pela gravidade lunar, auxiliados pelo pessoal de terra, os náufragos conseguem retornar e pousam a nave, a 17 de abril, no Oceano Pacifico. Vivos.
O Estado de São Paulo, em 16.06.2024, que por analogia e similaridade topográfica nos faz lembrar essa quase tragédia ocorrida no espaço, repete-nos hoje o aviso singular: temos um problema.
Refere-se o editorial à entrevista concedida pelo presidente do Supremo Tribunal Federal ao Programa Roda Viva, da TV Cultura, na qual nos ensina, a certa altura: “Há incompreensão, percepção equivocada de que ministros do Supremo sejam disponíveis a qualquer influência”. “É um equívoco achar que as pessoas chegam a essa altura da vida disponíveis a qualquer tipo de sedução, como uma passagem para ir à Europa ou um hotel de qualidade. A maior parte das pessoas que está lá tem condições de ir sem ser convidada”.
Diz o Editor: A liturgia do cargo é cada vez mais irrelevante. Tudo se passa como se não houvesse conflitos de interesse objetivos e comportamentos inadequados a priori. Ministros promovem “fóruns” na Europa bancados com patrocínio de empresas com problemas no STF. Ou seja, como os juízes podem bancar seus luxos, não há problemas quando terceiros os bancam... Não é esse, contudo, o entendimento do Código de Ética da Magistratura, que exige que o juiz evite “todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito”.
Prossegue o Editor: Se alguém, por exemplo, questiona a idoneidade de ministro por suspender multas de uma empresa que tem entre seus defensores ex-juízes e parentes, até a esposa, há de ser por mera “implicância”... “Não há como você regular a vida privada de uma autoridade pública”, diz o presidente. De novo, não é o que entende a Lei da Magistratura, que exige que os juízes não só ajam com independência, mas tenham “conduta irrepreensível na vida pública e na privada”.
Em 2014, continua, o Congresso Nacional aprovou regra prevendo impedimento de juiz quando a parte for cliente do escritório de advocacia de algum parente seu. Mas em 2023, numa ação da Associação dos Magistrados, o STF decidiu ser este um preconceito intolerável pela Constituição. Cinco dos sete ministros que votaram pela inconstitucionalidade têm parente na advocacia. O presidente não vê necessidade de um código de ética para regular conduta dos ministros, donde se supõe que não vê condutas antiéticas a serem reguladas. A sociedade que se satisfaça com a convicção do magistrado sobre seu próprio caráter. E conclui: Quando chefe do STF assim entende a Justiça “cega”, e não vê problema se juízes se relacionam com empresários, negociam indicações e julgam casos de escritórios de advocacia de parentes, a sociedade tem um problema.
Os homens íntegros, como o sr. presidente do STF, também estão sujeitos às idiossincrasias humanas. Deles, todavia, depende o enfrentamento do mal, que hoje se alastra por tantas outras instâncias onde prospera o império dos sentidos.
No Estado do Rio Grande do Sul, por esses dias, padecemos todos vitimas da natureza, da negligencia, da incompetência e das paixões. No Recife, na Bahia, no Pantanal, nas prisões, nos hospitais, nas escolas, nas ruas, de norte a sul, todos os dias o desastre, material e moral, nos sorri com seus dentes de sabre. O que se espera, dos homens justos, é que sejam justos. Dos bons, que sejam bons. A leniência com os privilégios, o crime, a desídia, o dolo, a incompetência, velha de tantos tempos, nos fere, nos maltrata, nos mata.
Mas não mata a esperança. Se a outras nações, um dia também miseráveis, foi possível combater seus males e prosperar em busca da felicidade, nós todos aqui temos o direito, e alguns o dever, de também prosseguir.
A Ética nos ensina o que é felicidade. A Política, como obtê-la. Os líderes, bons e justos, injustos ou maus, é que são os condutores. Eles sabem, todos sabem, que a Ética é o princípio. Porque o povo, que banca o Estado, não é apenas contribuinte. Acima dos Poderes da República, e dos interesses particulares, há que estar o bem comum. Aos justos e aos bons, e aos poucos, e aos muitos, cabe decidir sobre os meios e os fins. Com discernimento, caráter, competência, integridade, bondade, generosidade, amor, coragem.
Sabe o leitor, e dizem os jornais, as gazetas e os pasquins, o que se passa por aqui, ao rés-do-chão, em nosso módulo terrestre. Resta-nos rogar por clemencia às instâncias superiores. Mas, se nos faltam, às estrelas… Os náufragos do espaço, agonizantes, ‘precisaram filtrar o gás carbônico produzido pela própria respiração. Para isso, encaixaram um filtro quadrado em um tubo cilíndrico¹…
19.6.2024
¹ in Mundo Estranho, 31.7.15
Parabéns EDSON MENDES. Os entrelaçados dos ditos governantes do nosso país, chegam a ser uma afronta aos que vislumbram o bem coletivo, e o respeito à nossa CONSTITUIÇÃO . Vivemos num país que tudo pode, no faz de conta, no manda quem usa toga e ninguém desobedece, quem governa fora da lei. Eu posso até não cantar, mas falo alto e em bom tom :... não mate meu Brasil soberbo infame.. PELO SOCIAL ( 1993 )
O barco fazendo água, cada vez mais água, a turma começa a falar. Estamos dizendo falar. Já enxergava - ninguém é cego -, mas, como a cigarra de La Fontaine, preferia cantar. Quem disse que não é bom cantar? Cá no "rés-do-chão", o sofrimento só vai aumentar. Com a palavra, 'os meios institucionais'. Difícil manter a esperança viva. Preciso artigo do grande colega imortal. Abrs.